#15 Caminhada a solo durante a noite e oportunidades
Fomos buscar a Mercedes ao autocarro na chegada do acampamento OSS (Outdoor Science School) e quando a vimos de sorriso rasgado foi o céu.
Abraçou-se a nós e a primeira coisa que disse foi: "mamã, fiz um solo hike in the night"...
Não percebemos logo e ela continuava a repetir a mesma coisa. Tinha adorado a experiência mas claramente um dos pontos altos foi o tal "solo hike in the night".
Viemos para casa, devorou a sua sopinha e uma quantidade de comida, que ainda me intriga onde estes 3 lambões conseguem enfiar tudo o que comem.
Com calma explicou-nos com os detalhes que conseguem transportar-nos para os momentos que viveu, tudo o que a marcou nesta experiência.
O que aprendeu. A quantidade de fauna e flora que conheceu na montanha.
O que adorou, e o que não adorou. E por fim o solo hike in the night:
"No ultimo dia aprendemos a orientar-nos com a bússola, com o sol e as estrelas, e o teste final era o solo hike.
Tínhamos um ponto de partida, um ponto médio onde tínhamos de chegar, que era uma das professoras que ligava e desligava uma luz lá no alto da montanha tipo farol, e o ponto de chegada que era onde estavam os meus amigos que já tinham chegado.
Eu disse logo que não ia fazer isso, e fiquei aliviada por não ser obrigatório...
Mas depois ao mesmo tempo queria muito tentar, e tinha tanto medo, mas queria ver se conseguia ou não. E achava que não conseguia, mas depois se os outros tentavam e conseguiam, eu gostava de saber se era capaz ou não... Então nem sei como, disse ao professor que também ia fazer o teste.
Fomos 2 a dois para o ponto de partida, e combinamos os sinais de emergência.
Saíamos do pé do professor com as indicações, e tínhamos de subir sozinhos na neve, e depois descer, mas estava tão escuro, e havia imensos barulhos, e depois de entrar no bosque não conseguia perceber onde punha os pés nem onde acabava a neve e começava o chão. Enterrava os meus pés sem saber até onde me ia enterrar na neve, e nem sabes, a neve, é MESMO fria...
E depois quanto mais andava, mais medo... e já não conseguia ver onde havia pegadas para as seguir, percebes?... e só queria chegar ao pé dos meus amigos e da minha professora, e não tinha a certeza de estar no sitio certo! nem no caminho certo!
E andei andei, e na neve não há luz e quase não há barulhos! Mas depois havia uns barulhinhos de nada e eu com tanto medo, até tremia, e não sei bem se era do frio ou do medo...! Mas também não queria voltar para traz, e então tentei acalmar-me e lembrar-me do que tínhamos aprendido, e que os meus amigos e a professora deviam estar à minha espera... e depois achei que estava no caminho certo, e andei mais um bocado, e lá muito ao fundo achei que era a luz da chegada, e desatei a correr e aos gritos a dizer que era eu, e os meus amigos desataram aos gritos a chamar-me MARCEIDIZ! MARCEIDIZ! e eu fiquei tão tão contente! E corri para eles e eles abraçaram-me e diziam YOU DID IT! e eu: I DID IT, e foi tão bom que chorei! Mas nada triste, eu estava mesmo mesmo feliz, sabes MESMO FELIZ, não te preocupes..."
Que maravilha minha Cuca maluca! E achavas que não ias conseguir porquê?!
"Porque mamã, não estás bem a perceber... mas o medo, sabes, o medo é mesmo uma coisa que te vem cá de dentro, e que é muito forte e difícil de controlar!"
Mal sabes tu o que percebemos nós de medos!...
E depois foi a tarde toda a descrever os episódios mais hilariantes e a culminar com a preparação para o regresso, em que tinha umas amigas que queriam enfiar tudo na mala e fechar, mas sem êxito... e lá foi a nossa Cuca, arrumar a bagagem de uma delas e fechar-lhe a mala.
Quando conseguiu, a menina perguntou como é que ela sabia fazer malas tão bem, ao que a Cuca diz que respondeu, "my friend, I travel a lot!..." , "e pronto, depois desta fechei mais umas sete malas das minhas amigas..." eu e o Rodrigo derretidos e desmanchados a rir com o ar cómico e empoderado da nossa Cuca, que era como uma conchinha pronta a fechar ao mínimo desconforto, e que agora mandava bitaites de packing e afins.
Nessa tarde fomos buscar o Matias, e também a Maria que regressava do parque de diversões, Knott Berry Farm onde foi actuar com o Coro, e apesar de, ao contrário da mana Cuca termos de saber do que se passou a saca rolhas, garantiu-nos que adorou a experiência, e que gostava de lá regressar com os manos. Manos juntos e todos contentes...
Entretanto o Luis e a Gerry com o Gabi (mais conhecidos por família Tugo-Búlgara) desafiaram-nos para passar o fim‑de‑semana com eles no Deserto, e apesar de termos estado juntos apenas duas vezes, a energia boa e a conversa fácil, num país diferente das origens para todos promovem a intimidade e a vontade de partilhar mais experiências juntos.
Fizemos malas (a Mercedes tem razão!) e rumámos a Joshua Tree, onde combinámos pick nic num ponto do parque.
Nunca achei piada ao deserto.
Sempre tinha visitado desertos no verão contrariada pelos meus pais, e o que me lembrava além do ar sufocante, e do vento que ardia na pele mesmo à sombra (escassa!), era de uma superficie árida e demasiado monocromática, tipo lunar. Naquela altura só gostei do deserto de noite, com o céu mais incrível que vi até hoje, por isso as espectativas estavam focadíssimas no convivio e na conversa, mais do que no deslumbre de uma paisagem tão estranha.
Pois que já mordi a lingua e retiro tudo o que disse.
O deserto em Fevereiro é deslumbrante e exótico, e foi toda uma experiência, do mais selvagem que vivemos em família.
Entrámos na imensidão do parque em direcção ao vale onde tínhamos combinado pic-nic. Sem rede, nem GPS nem nada do que estamos habituados funcionasse.
O carro andava, cheios de sorte!
Procurámos pelos amigos no vale onde combinámos, mas lá está, a imensidão do próprio vale excedeu as expectativas, e sem rede foi inglório.
Percebemos que só fora do parque conseguíamos comunicar, e assim foi.
Finalmente juntámo-nos ao fim da tarde para um dos serões mais confortáveis que vivemos por estas bandas.
Fazer novos amigos em adultos parece não ser assim tão fácil, mas talvez pelas circunstâncias, talvez por tantas coisas em comum, talvez por serem pessoas tão interessantes, e talvez por termos de facto uma sorte enorme com quem nos cruzamos, encontrámos nesta família um abraço maravilhoso.
Vou tentar manter o meu abraço aberto para continuar a fazer amigos assim.
Dia seguinte primeira paragem, apresentar os cadernos de Junior Rangers, fazer o juramento de proteger a Natureza, e recolher os Badges.
Preparados para um dia de excursão já mais experientes nestas andanças, com pic-nic fresco na geleira, mapas de papel em punho, e sem nunca nos perdermos de vista uns aos outros, rumámos de novo à imensidão do deserto, à espera de encontrar o jardim dos cactus.
Percebi que não termos nem rede, nem GPS, não saber onde estamos num ecrã, não existirem inúmeras tabuletas com nomes de ruas, setas, e direcções, não saber a que distância está a nossa saída nem onde temos de virar na imensidão da paisagem, é algo que os nossos filhos não conheciam de todo. E que nós já não nos lembrávamos.
Depois de estarmos quase certos que nos tínhamos perdido, afinal encontrámos o jardim dos cactus (impossível de passar despercebido, eram milhões de cactus a perder de vista) e picnicámos no meio deles.
Foi uma experiência Wild e Bonita nas mesmas proporções. E é de agradecer...
Passámos pelos pontos mais icónicos deste deserto que já passou claramente a ser o meu deserto favorito (o que apesar de, dado o meu histórico, não parecer assim tão incrível, mas é mesmo), e assistimos a um por do sol que também vai ficar na memória.
Despedimo-nos ao fim do dia dos nossos amigos e voltámos de coração cheio a Seal Beach.
Os dias seguintes foram desafiantes... Snow week para os meninos de gazeta em casa, com os pais a trabalhar.
Felizmente que conseguimos organizar-nos e no final da semana rumámos à montanha.
Parece bizarro depois do deserto, mas juro que o itinerário é o seguinte: saímos de casa de costas para o mar, mas com cheiro a maresia. Sempre em frente em direcção ao deserto, mas antes viramos à esquerda, e vamos para a neve.
Tanto o deserto, como a neve estão a 2h de caminho a partir da nossa praia. Se isto não é um privilégio, não sei o que chamar. Amigos dos filhos a equipar a família toda para mais esta experiência, e toca a andar!
As crianças já perceberam o esquema, e a nossa Mel que andou aos pinotes em terras quentes uns dias antes, rumou connosco para mais esta experiência. Mundo neste corpinho também não lhe falta, e aprendeu com os donos a aligeirar as viagens...
O nosso Matias é o relações públicas da família, e graças a ele juntaram-se a nós os pais do melhor amigo, com os seus 4 filhos.
Antevia-se um fim-de-semana pouco aborrecido, mas afinal foi mesmo só espetacular! Mais abertura para abraçar mais amigos e criar memórias bonitas.
A nossa cabana patusca era muito quentinha, e apesar de termos mais camas do que pessoas fomos dar com a camarata de crianças ao molho, e tudo bem!
Mountain Bear é mesmo bonito. Mas como da ultima vez que fiz neve também fiz fractura do cotovelo, assaltaram-me receios dos que dão insónias, e decidimos fazer a aproximação apenas de rabo no chão para ver que tal...
Descobri então que o nome do meio dos meus 3 filhos é o mesmo: Kamikaze.
Gritei até ficar rouca WATCH OUT tantas vezes, para que toda a gente se desviasse e não atropelassem ninguém. Mas foram tantas tantas gargalhadas boas que ficámos (muito!) moídos, mas de coração cheio outra vez.
Prometemos ao ninja regressar às bumpy sides das pistas, numa próxima viagem, já que parece que toda a vida viveram com neve.
Além da brincadeira ficámos com vontade de regressar aqui no verão. A paisagem promete...
Meninos regressaram à escola a assegurar-nos que, o que na verdade apreciam é estar de férias. No judgement! E assim foi.
Semana sempre a abrir, com a novidade do Matias ter sido convocado simultaneamente para os dois tipos de futebol que agora conhecemos.
O primeiro treino foi na equipa dos LA Chargers (controlei-me para não me desmanchar com o respectivo Coach que aparentemente leva o escalão sub-6 muito a sério), e expliquei que o Matias não só não fazia ideia de regras deste jogo, como também vinha de um país onde football se joga evidentemente com os pés.
Ele riu-se e levou uma mão à testa. Consegui cheirar um certo pânico em relação ao jogo previsto daí a 2 dias.
No entanto as perspectivas melhoraram quando o Matias fez o primeiro lançamento e o Coach ficou aparentemente todo contente e me falou na posição Quarterback
Respondi que não fazia ideia do que me estava a dizer, mas que tínhamos espírito aberto quanto a posições em jogos desconhecidos, e ele levou a mão à cabeça outra vez...
Único problema... É preciso correr neste jogo...
E o meu rico filhinho corre bem rápido, mas é de braços abertos na direcção da sua rica mãezinha.
Assim se explica o espalhafato que nós e outros pais fizemos quando no dito jogo nessa mesma semana (depois de um treino), o Matias e companhia, correram na direcção correcta.
Perderam o jogo de estreia tipo abada, mas chocaram os 5 uns com os outros como se tivessem sido vencedores. E divertiram-se à grande.
Dia seguinte estreia no soccer. Quem conhece o Matias sabe que se lhe dilatam as pupilas quando vê uma bola, por isso neste caso estamos mais optimistas, e os treinadores não levaram as mãos à cabeça.
As manas que em casa andam sempre a cantar estes dias estavam particularmente activas em uníssono a preparar o Festival Destrital de Coro.
Não me lembro se já disse, mas neste distrito, o Coro é mesmo a coisa mais cool para se pertencer, e as manas, entraram, e adoram.
Abriram o festival com a música que ensaiaram a fazer ecos de uma WC para a outra com a água quente do banho a correr... Várias vezes pedi pouco delicadamente...
CALEM-SE!!!! e DESPACHEM-SE!!!
No fim rendi-me e pedi-lhes a letra.
Se esta mensagem não nos foi entregue de propósito parece.
Que em todas as caminhadas que pareçam a solo e de noite se consigam organizar para se focarem nas pessoas que nos acompanham e que gritam por nós...
Que o medo seja sempre menor que a vontade de o superar...
Que em todos os estranhos consigam ver oportunidades de conhecer amigos...
Que em todos os desafios se consigam divertir também.
E que se lembrem sempre que as possibilidades são infinitas.