#24 Incertezas
Incertezas... é palavra que tenho ouvido tanto ultimamente que até já se tornou menos desconfortável.
Aparentemente vivemos tempos incertos, e alguns desses incertos são até inacreditáveis, mas estive tanto tempo sem escrever que acho melhor começar por uma parte bonita.
Adotámos um dos costumes locais para esta altura do ano - vamos importar com certeza este costume - e fomos fotografados (obrigada Elaine e companhia!) num dos nossos spots favoritos, o Pier de Seal Beach. Rimos um bocado, fizemos poses de revista, adorámos o resultado final, ficámos equipados para postais, calendários e todo o tipo de merchandizing fofinho, e distribuímos estas imagens por algumas das nossa pessoas espalhadas pelo mundo. Para as outras, que estiverem a ler isto agora, sintam-se acarinhadas da mesma forma. Provavelmente escapou-me a vossa morada. Mil perdões!
O final do ano/semestre/época/ etc é universal e caótico.
Picos de trabalho, festivais de todas as actividades dentro e fora da escola, ajuntamentos de amigos, concertos de natal, defesas de teses, e apresentação de trabalhos finais, tanto cá como lá, bolos e bolachas a entrar e a sair do forno, convívios maravilhosos...
Uma correria tão deliciosa como extenuante.
E com toda a expectativa em alta, fazer (tantas!) malas, enviar 327 postais, compras e listas de tudo e mais alguma coisa, planos de encontros na Europa durante o Natal, Ano Novo e Reis Magos, antever todas as possíveis condições atmosféricas, sem ultrapassar limites de carga, deixar a Mel com a minha querida aluna Amalia, pois desta vez não foi possível uma estância com os avós do costume, e vamos a isto.
Coming home for Christmas nunca melhor dito...
Os aeroportos no Natal... tanta tanta gente em movimento...
Toureámos kilos de bagagem, passagens em RX, fronteiras, turbulências, e quando aterrámos em Lisboa e nos metemos todos no autocarro, éramos várias famílias com muitas crianças a falar em avós. Em sopa, e em bacalhau. E os netos a perguntar onde é que eles estão? e todos a chegar à mesma conclusão, os avós são de facto uma grande instituição, e que o Natal sem avós não é Natal. Que se lixem os (tantos!) Km no corpo.
Chegar a casa é, como sempre, maravilhoso. Rendemo-nos aos lençóis a realizar que afinal a melhor cama do planeta é a minha, o melhor cheiro e o melhor som de pássaros ao amanhecer é na Parede, a maresia mais potente é a do Atlântico. E fiquei sozinha e com efeito do jet-lag a assistir ao nascer do sol no melhor spot do nosso jardim. E apesar de estar um gelo, senti-me muito aconchegada.
Assim que toda a gente saltou da cama, numa empreitada organizada começámos a decorar a casa, e em menos de nada já tinha chegado Natal ao nosso cantinho.
Bebemos café à janela com os queridos vizinhos e rumámos para almoço de domingo em casa dos avós, para apertarmos o Pepi e a Lucía que já tinham chegado da Noruega. A avó São que não se lembra da última vez que teve os filhos e netos juntos para almoço de Domingo em família estava num ai. A Felicidade existe e é nestes dias que se consegue palpar.
Depois de almoço delícia em todos os sentidos com avós e tios, graças a uma organização e disponibilidade impecáveis do Miguel e companhia, e de uma sincronização espetacular de agendas de todos, conseguimos passar a tarde a pôr a escrita em dia, e a desfrutar de mais um Natal entre os melhores amigos que há, que também são os meus. Talvez isto soe um pouco Narcisista, mas é mesmo verdade. Pelo mundo fora tenho mesmo sorte com amigos. Os melhores são mesmo os meus. Curioso deste dia maravilhoso, foi de tal maneira intenso em bom, que não tirei 1 foto. Paciência!
Na manhã de Natal, empreitada de filhozes com o mano. Uma pontos altos do Natal é fazer filhozes. Dão uma trabalheira tão grande que não há forma de fugir dali, e como estamos os dois presos à empreitada é o momento do ano em que pomos a escrita toda em dia. TOP!
Ainda conseguimos distribuir abraços, filhozes e os melhores desejos pelos melhores vizinhos da Parede e arredores - isto está a ficar repetitivo - e a consoada foi mesmo uma delícia.
Os dias passaram demasiado rápido, as escritas não foram todas postas em dia, os meus filhos sempre a pedir para estarmos em casa, e os encontros maravilhosos que sabem sempre a pouco.
Malas, mais aviões, e próximo destino Valência. Aterrar em Valência depois de tanto tempo (2 anos!) sem lá ir foi emocionante para todos, e rumámos logo para Dénia para mais avós, tios, primos e amigos. O Pepi e a Lucía terem-se decidido a vir a Valência e a passarmos o fim-de-ano juntos foi uma ideia espetacular, e pudemos revisitar sítios onde já fomos muito felizes com eles.
Numa combinação improvável juntei as minhas 2 cunhadas para o ultimo dia do ano. Apesar de completamente diferentes, têm em comum o idioma, e o facto de serem as duas badass.
Cada uma à sua maneira, ninguém faz farinha nem com a Lucía nem com a Susana.
Iniciei a minha relação com cada uma delas num misto de admiração e mostrar os dentes. Elas devolveram na mesma moeda. Crescemos as 3 e a relação com cada uma delas também. Tenho hoje o orgulho de as sentir às duas como minhas pessoas. Confio os meus filhos a cada uma delas, e orgulho-me imenso do seu badass genuíno. Eu, também sou fresca.
Alianças de mulheres são poderosos, e eu gosto muito desta.
Voltámos a Valência para conseguir dar mais abraços e aproveitar esta cidade que gostamos tanto, e foram dias mesmo cheínhos de tudo em bom. Apesar de no caminho entre Dénia e Valência ser notório o resultado das inundações com montanhas de carros empilhados ao longo da estrada, na cidade em si não notámos absolutamente nada. Apenas uma quantidade de gente animada em preparativos para os Reis Magos, comidas e petiscos maravilha e a sensação de que com os encontros apesar do tempo e da distância, é como se nos tivessemos visto ontem.
Mais uma vez que o tempo não dá para esticar para tudo o que gostávamos.
A Maria fez uma surpresa à melhor amiga que se mudou de Lisboa para Madrid, e por primeira vez sozinha, meteu-se num comboio e foi passar o dia a Madrid. Experiência nova e maravilhosa para ela, e nova e ansiogénica para nós. Mas a conspiração das mães e o sorriso das filhas nesse dia em que mataram saudades nesta cidade tão bonita, foram um verdadeiro sucesso. Obrigada Mónica ;)
Cavalgata dos Reis Magos ao rubro, e depois disso acolhimento com chocolate quente e Roscón na melhor companhia do costume. De novo rumo a Dénia para a noite de Reis Magos. Está visto que nos portámos bem, e tanto o Pai Natal como os Reis Magos foram generosos.
Almoçámos com abuelos, voltamos a fazer malas, começámos ronda de despedidas e regressámos ao aeroporto. Somos tantos os que vivemos longe, que até no aeroporto nos reunimos com família e amigos. É uma canseira e a época mais cara do ano para viajar. Mas vale cada momento.
Regressámos a casa dos avós em Lisboa para dormir uma noite, jantámos divinamente, deixamos os netos e avós juntos a aproveitar os últimos cartuxos, literalmente, e na manhã seguinte mais malas e mais despedidas. Caramba, que se fosse possível aumentar a velocidade destes momentos para que não custassem tanto, era muito útil.
Quando tentámos comprar as viagens de regresso a Los Angeles, percebemos que compensava voar por NY, e num momento de delírio, o marido sugere fazer paragem técnica para "descansar" em NY, e eu imediatamente me parece ideia brilhante.
Sem pensar muito preparámos itinerário adequado para os 3, a Janet emprestou-nos tudo o que era térmico para resistirmos ao frio da costa Este nesta altura do ano, e aterrámos nesta cidade incrível.
Das vezes que estive em NY, esta foi de longe a mais fria (feels like -16ºC) com vento a doer nas bochechas - só dava vontade de dizer xiça e outras coisas piores - a vez com maior logística, a tentar controlar malas, mochilas e 5 pares de luvas, cachecóis e gorros... a superar várias dezenas de passos tamanho infantil por dia... e a intercalar programas interessantes para adultos, sem aborrecer crianças e vice-versa... a entrar e sair do metro com escadas e strolers, e a ver na cara deles um WOW genuíno e em uníssono.
Foi uma das viagens mais espetaculares em família.
Adoraram a cidade ainda a cheirar a Natal, reconheceram spots de filmes, elegeram o Moma e o Museu de História Natural como os sítios quentinhos mais cool, O Shake Shake é bom, mas o In-n-Out é melhor por unanimidade, a árvore de Natal mais bonita do Mundo é a do Rockfeller, o Central Park ainda é maior do que elas pensavam e a Pizza estilo NY, é melhor do que a que encontramos ao sul da Califórnia, mas não bate o estilo Napolitano que encontramos em Itália.
O Matias, teve de ser tapado com cobertor no carrinho para parar de renegar do frio, e reforça a ideia que não quer viver em frio, só em quente, como na sua querida Califórnia. NY é bonito mas faz um frio horrivel, ele prefere vento quente, não frio, só quente, repetiu isto várias vezes ao dia.
Metidos no espírito do pobretes, mas alegretes comprámos bilhetes para o Rei Leão para nós as 3. A Maria com pena dos rapazes, achou por bem tentar a sorte numa lotaria de bilhetes de última hora para o mesmo espetáculo. Tão incerto como inacreditável em bom, valeu a pena ter incrito os 5 emails na lotaria, porque ganhou mais 2 bilhetes a preços ridículos e fomos os 5 afinal!
E o Matias que tinha inicialmente ficado de fora dos planos deste programa, fez sesta no Metro, e aplaudiu de pé de olhos arregalados mais do que nós todos juntos. Que maravilha de momento. Cumprimos tudo o que estava na nossa lista feita em cima do joelho, conseguimos encontrar a livraria que nos cativou há mais de 15 anos e eles também ficaram cativados. Acabámos a estadia de coração cheio e prometemos voltar.
Quando chegámos ao aeroporto prometemos ao Matias que era mesmo só mais 1 avião, chegámos todos de gatas depois destas semanas intensas em bom, e já só nos faltava a nossa Mel para prepararmos o arranque do ano novo.
Correu tudo bem felizmente, com a nossa chegada, mas foi com algum horror que sentimos o efeito dos wildfires em Los Angeles, com a qualidade do ar e da água comprometidos, a nossa varanda cheia de cinza, e dezenas de histórias terríveis e de alguém que conhece alguêm que perdeu tudo. Como é possível? Não podemos de facto dar nada como certo.
.E aqui passámos à parte das incertezas inacreditáveis mas em mau.
À semelhança do que aconteceu em Valência, aqui também se multiplicaram as iniciativas de ajuda e a generosidade humana a mostrar que também pode ser inacreditável.
Ao contrário do que aconteceu em Valência as críticas à gestão desta tempestade de fogo descontrolada, vieram praticamente apenas por parte do maior demagogo que já conheci por estas bandas.
No entanto, a população em geral está agradecida à forma como a protecção civil reagiu, aos recursos utilizados, à mobilização de estratégias e ao apoio da comunidade em geral que se mobilizou de imediato.
Mesmo que não houvesse nem seca, nem recursos de água limitados quando solicitados em simultâneo, nem ventos com velocidades tão altas, uma tempestade de fogo destas dimensões é difícil de prever e um pouco inacreditável. E incerto o futuro de todos os afectados.
Depois dos fogos veio a "nova administração". Não tenho conhecimentos suficientes para prever se a nível económico, que tanto se apregoa, isto vai ser bom ou não... Nesta zona onde estamos a maioria das pessoas com quem nos damos estão envergonhadas com os disparates, e medidas que já estão a ser tomadas. E além das medidas é assistir em directo a tantas coisas bizarras, e assustadoras, que torna todos os aspectos do mundo em geral e da América em particular, muito incertos!
Tenho a sensação, como o meu pai, que há muitos americanos que votaram a favor, mas muitos que votaram contra e outros que não votaram de todo! E as medidas mexem com a vida de todas as pessoas! É assustador o que pode levar a acontecer.
Uma das medidas da "nova administração" foi tornar as escolas, hospitais e igrejas em locais não seguros para controle de documentação, ou seja, a Polícia ICE (Imigrations and Customs Enforcement) pode entrar até nas salas de aula. Glup!....
Se os alunos, ou professores (como eu!) não forem "solid citizens", ou não tiverem todos os documentos que demonstrem a sua legalidade no momento, podem iniciar processo de deportação. No meu campus, tivemos orientações em como proceder.
class dismissed (alunos incertos do seu status tentem pirar-se por trás dos solid citizens);
Inform the officer that you are not obstructing their process, but that you do not have the authority to respond to their request (basicamente, fazer frente aos senhores e dizer que não vamos colaborar na identificação de alunos)
Direct the officer to Administration and Finance in Brotman Hall 320. Please make sure to report the interaction to your supervisor, director, AVP or dean (basicamente desamparem-me a loja daqui para fora sff)
If the officer does not accept the referral, contact your supervisor, director, AVP or dean. If you are unable to resolve the matter, contact University Police at 562-985-4101 (nesta parte não percebi bem como é que eles nos explicam que não aceitam o encaminhamento para os verdadeiros bosses no campo)
O que tenho para mim não ser incerto são as palpitações que me esperam cada vez que me entrar alguém em sala de aula. Inacreditável, de facto.
Pensei quando reunimos com o advogado especialista sobre possíveis cenários que devíamos esperar nesta nova administração que talvez estivessem a exagerar nas precauções. Afinal não estavam. A incerteza que estes tempos trazem é também inacreditável.
Esta semana foi particularmente intensa.
Aconteceu um acidente terrivel de aviação. Inacreditável como um acidente deste tipo entre um avião e um helicóptero pode acontecer. Difícil mesmo de compreender. E agora mesmo acabou de cair mais um avião em Philadelphia. Como?!
Já sei que andar de carro é muito mais perigoso, mas tenho neste momento os meus pais a fazer uma viagem espetacupar pela Ásia, e este tipo de acidentes só fazem o coração encolher.
A primeira paragem foi em Bankok para visitar a sua "neta" da Tailândia que há 3 anos atrás viveu connosco na Parede. Coisas inacreditáveis e maravilhosas acontecem quando não deixamos as incertezas tomarem conta.
Acolher a Prim em nossa casa foi uma aventura das mais bonitas que fizemos até hoje.
Assim que chegaram à Tailândia e nos enviaram estas fotos delícia respirei fundo. Estão seguros com a família da Prim, que sentimos como parte da nossa família também.
O Matias atingiu o 100º dia de escola e, para celebrar, foram todos vestidos de velhinhos. Uma fofura de velhinhos! O meu favorito, já se sabe, mas os rolos na cabeça das amigas e o traseiro da professora cheio de almofadas estavam incríveis.
Se há algo que os meus filhos adorariam levar de volta, seria cada uma das suas respectivas escolas. Com os respectivos professores e amigos também, claro.
Já sei que é um distrito escolar de excelência, na Califórnia, nos EUA, e, consequentemente, do planeta. Mas caramba, que sistema cativante!
Ainda esta semana tivemos o privilégio de poder partilhar com os nossos queridos amigos Berg, todos os rituais que celebram o Ano Novo Chinês - o ano da Serpente.
Agradecemos e pedimos a 3 Deuses diferentes e aos nossos Antepassados tudo o que considerámos. E fizemos vénias de nariz no chão. Seja o que for pela boa fortuna!
E que bela noite de ano novo Chinês. Por mim, podemos adoptar também esta tradição, entre outras coisas porque além do convivio, as iguarias são deliciosas. E os envelopes encarnados a cereja em cima do bolo para as crianças.
Tem sido assim desde que aqui chegámos. Momentos incertos que se tornam absolutamente inacreditáveis, e maravilhosos nas mesmas proporções.
Abertura de espirito tanto nosso como de quem nos recebe. Curiosidade genuína sobre nós, e nós sobre tudo e mais alguma coisa. Espaço para toda a gente de todas as cores e credos. Sem stresses nem reticências.
Isto é diametralmente oposto ao que apregoa o demagogo cor de laranja. E a sua troupe de modos estranhos. A bispa Marian Budde, uma mulher badass fez um apelo genuíno.
Tenho um crush em badasses, está visto.
Já perguntaram aos meus filhos de que sítio gostam mais, se estão contentes por voltar "de vez". E ficam aflitos, sem resposta, e com problemas de consciência por não ser imediata a reacção. Há coisas que gostam mais de Seal Beach, e coisas que preferem de Portugal e Espanha.
Dá um trabalhão depois destes questionários acalmar os corações sobretudo das manas que ficam desconcertadas por não ter uma resposta que satisfaça toda a gente.
A nova administração faz pensar num futuro mais incerto, é um facto. Mas não nos faz gostar menos, nem um bocadinho, desta comunidade maravilhosa que vivemos em Seal Beach.
Temos alguma prática a gerir incertezas, mas também gostamos de zonas de conforto, por isso não faz mal ficar aflito sem certezas. É só humano, por isso espero que estas perguntas não as deixem aflitas da próxima vez.
Não ter a certeza sobre o que queremos e desejamos que aconteça neste momento, só quer dizer que as "nossas casas" são as duas mesmo maravilhosas.
Acertámos nas melhores casas, nos melhores amigos, nos melhores vizinhos. Além dos avós, tios, primos, filhas da Tailândia e até cunhadas.
Até agora temos tido uma pontaria maravilhosa a fazer escolhas. A falsa modéstia parece-me pior que a imodéstia. E as incertezas fazem parte.
Se temos acertado até agora, é de agradecer.
Que mesmo nas incertezas mais arrepiantes, haja espaço para momentos inacreditáveis e bonitos nas mesmas proporções.
Que seja um ano da Serpente cheio de boa fortuna.
O mundo precisa disso.
