Win Win



Peço imensa desculpa a quem nos segue de perto pela falta de notícias. A verdade é que não me tem apetecido escrever.
Na roda viva de metas a cumprir, desafios dos filhos, reflexões sobre o futuro, tempestades meteorológicas e notícias perturbadoras, quando iniciei este post, o título era "loose-loose". Como optimista nata, apesar de "control freak", recusei-me a manter um tom tão negativo.
E depois demorei em voltar a pegar nisto.
Há dias em que o silêncio após uma videochamada pesa mais que o habitual. O ecrã escurece e fico a olhar para o meu reflexo, dividida entre a culpa e a realização. A decisão de viver do outro lado do mundo traz consigo uma matemática impossível: por cada momento ganho aqui, há um momento perdido lá. Aniversários marcados apenas no calendário, abraços guardados para "quando voltar", risos em chamadas que acabam sempre cedo demais por causa do fuso horário.
Entre Portugal e Espanha, a distância era uma questão de horas de carro, uma ponte fácil de atravessar quando as saudades ou os eventos apertavam. Agora, com um oceano pelo meio, cada regresso precisa de ser planeado com meses de antecedência, e cada partida carrega o peso de todas as ausências futuras.
O mais difícil é perceber que aparentemente nunca vamos estar verdadeiramente inteiros. Há sempre uma versão de nós que fica para trás, sentada no muro da praia da Parede de manhã, a cheirar o Atlântico depois de uma corrida, mesmo dentro da zona de conforto, num sitio tão bonito, e tão mais perto da maioria das nossas pessoas, à espera de regressar.
O que mais nos faz falta deste lado? As nossas pessoas. E enquanto isso, construímos uma vida nova longe de tudo que também se torna casa, que também se torna nossa, e que nos faz felizes de uma forma que não esperávamos.
É uma espécie de paradoxo: quanto mais nos realizamos aqui, mais forte é a sensação de que estamos a falhar com quem ficou. E quanto mais nos adaptamos a esta nova vida, mais nos perguntamos se algum dia voltaremos a ser aquela pessoa que deixámos à espera no muro da praia da Parede.
Não há vitória fácil neste jogo de distâncias. Há apenas a certeza de que, independentemente das nossas escolhas, vamos sempre ter o coração dividido entre dois mundos, e alguém ou algum lugar que gostamos muito do outro lado do planeta. Muitos dias sem encontrar alternativa para este título.
Em cima disto tudo, é impossível não estar ainda mais apreensivo com a situação do mundo neste momento.
Antes do Natal, surgiram oportunidades que não estávamos à espera, e analisámos todas as possibilidades para o nosso futuro. Concluímos que, se a escolha entre as duas costas oeste (europeia e americana) é tão equilibrada, significa que ambos os lugares que chamamos casa são extraordinários.
A "nova administração" começou a pesar contra a permanência aqui.
As notícias de restrições às entradas e renovações de vistos vão-se multiplicando, recebemos dezenas de emails sobre como proceder em diversas circunstâncias relacionadas com autoridades de deportação.
Tive uma reunião sobre um projecto bonito em que colaboro com o Canadá e com os Estados Unidos e fiquei a saber que a possibilidade de perda de financiamento existe se continuarmos a colaborar com a colega do Canadá. Quem partilhou a notícia acabou a reunião com um pedido de desculpas pelas medidas da administração deste país que parecem irreais. Eu perguntei se a colaboração com a Europa pode levar também a cortes no financiamento neste projecto. E a colega responde "para já" só recebemos informações sobre o Canadá... fiquei a saber também, que a quantidade de candidaturas de investigadores americanos a posições no Canadá e na Europa cresceu exponencialmente.
Pessoalmente, a simples presença de polícia seja onde for causa-me ansiedade e palpitações, e revejo imediatamente onde tenho de ir buscar tudo o que seja necessário para mostrar que estamos legais aqui. Não é prático ir à praia ou ao supermercado com passaportes e várias folhas A4 de 5 personagens que, apesar de sermos pessoas do bem, podemos levantar suspeitas. Se forem os filhos a comunicar passam por locais, mas nós temos uma pronúncia que nos denuncia imediatamente.
Mesmo com tudo digitalizado e em ordem, uma cópia de segurança dentro do carro, e a convicção que somos só uma família que abraçou uma experiência incrível e veio trabalhar, crescer e pagar impostos para o outro lado do mundo, o coração dispara ao encontrar forças de segurança. Nunca tal me tinha acontecido, mas as histórias de alunos e professores com encontros pouco agradáveis pelo país fora cada vez são mais. O desconcerto não ajuda ao conforto. O medo é uma novidade que desconhecíamos, e também não é bom.
A Mercedes depois de uma sessão de notícias sobre deportações questiona: "mas não estou a perceber... então, nós somos boas pessoas, mas as pessoas que vêm para os EUA e ficam cá a morar, não são normalmente pessoas boas, e por isso é que agora há estas medidas todas?"
Volta o loose-loose em grande... e uma conversa de hora e meia a desfazer prejuízos.
Há umas semanas, foi o Spring Break no meu Campus, e recebemos informações oficiais e oficiosas aconselhando a não viajar para fora do país, exceto em situações imprescindíveis.
Como?... E então para estender vistos? Isso sim, é considerado mandatório, mas esperam-se demoras nas embaixadas e mais burocracias. A embaixada dos EUA em Portugal, à semelhança de tantos outros países, emitiu alertas sobre as maiores restrições à entrada nos EUA.
Nos prós e contras das decisões entra a questão, o que são viagens mandatórias?
Saudades, Natal, ir "à terra" porque sim, conta para mandatório? Correr mundo, conhecer outros cheiros e sabores como temos feito até hoje com a troupe? Estou mesmo convencida que é uma educação para a vida. Será que pode ser considerado mandatório?...
E assim a tomada de decisões sobre oportunidades e possibilidades que não contávamos quando saímos de Portugal para uma experiência com V de Volta no passaporte, fica inevitavelmente mais fácil.
Seal Beach cativou-nos tanto que lhe chamamos casa. Continua igual, e vamos continuar a referir-nos a Seal Beach como a nossa casa daqui. Na perspectiva de nos despedirmos, fica uma sensação agridoce, especialmente pela incerteza de futuras visitas e pelo maior escrutínio que enfrentaremos nas fronteiras. Loose-loose em força.
A Califórnia destaca-se do resto do país. Apesar de ter a dimensão de quatro Portugais, a sua cor democrata não foi suficiente para influenciar a tendência nacional. Como o resto do mundo, a maioria do estado da California está em choque com os acontecimentos recentes, por isso não sentimos que vivemos num sitio hostil e pró fundamentalismos. Continuamos a viver num lugar bonito em tantos sentidos.
Quando recebemos mensagens do outro lado do mundo sobre "os americanos", como se fossem um grupo homogéneo, sobre as culpas dos democratas em permitir que isto aconteça, sobre como votaram ou deixaram de votar, e que tudo isto é uma vergonha... a sensação de impotência aumenta.
A verdade é que nossa comunidade local, que nos recebeu sempre com um caloroso "will you please let me know how can I help?", não apoia estas medidas extremistas. Pelo contrário, mostram-se igualmente chocados e desconcertados. Chamamos-lhes "framily".
Eu sei que modéstia aparte continuamos a ter uma pontaria incrível para acertar na família que escolhemos, e aqui não foi diferente. Por isso custa-me a tensão a crescer no mundo desta maneira e tenho vontade de dizer a toda a gente que os americanos não são todos iguais e que os que conheço e me relaciono, são mesmo pessoas que tenho vontade de receber em casa e apresentar a todas as minhas pessoas em Portugal e Espanha, e poder retribuir o que nos proporcionaram aqui de alguma forma.
E a seguir perguntam-me daqui se me parece seguro viajar para a Europa, pela possibilidade de espírito anti-americano e tensões crescentes após tantas medidas disparatadas e controversas... Mais uma a contribuir para o loose-loose. Garanto que em todas as noites de insónia sobre as incertezas do futuro nunca previ este cenário.
Na tentativa de mudar o título, tenho de constatar que o céu está azul, as flores, as palmeiras e as montanhas com neve no mesmo enquadramento estão deslumbrantes. Cada vez gosto mais do cheiro do Pacífico todas as manhãs quando levo o Matias à escola de bicicleta pela Ocean Avenue, e do cheiro a Cinnamon Rolls na Main Street ainda deserta. Há uma galeria de arte nova, e se pudesse comprava todos os quadros com cantos de Seal Beach para instalar na nossa casa na Parede, e continuar a olhar para eles. Tenho "framily" a entrar-me em casa com gelado e flores durante a noite cerrada, porque a minha voz não estava normal ao telefone, e conviver em pijama. Não é tudo loose-loose.

A contribuir para a mudança de título vêm as escolas. Foi uma boa sorte que nos calhou quando aterrámos neste distrito escolar.
Não há comparação possível com sistemas ibéricos, e nunca os meus filhos quiseram ser os primeiros a chegar à escola e os últimos a sair. Ainda assim apesar de toda a integração e ajustes feitos para que os meus filhos recém chegados tivessem todas as oportunidades de crescer e adaptar-se para estar ao nível dos outros, continuamos a ter de responder a preconceitos sobre a qualidade do ensino daqui. De uma vez por todas, como mãe e como professora, se pudesse escolher uma única coisa para levar para Portugal, além das pessoas que nos acolheram tão bem, levava o sistema de ensino inteiro. O sistema não está focado em resultados académicos quase exclusivamente, como ao que estivemos sempre habituados. A neuro-diversidade é uma característica não uma incapacidade. O foco é no trabalho, não no resultado, e se forem trabalhadores, são puxados e estimulados e garanto, fartam-se de trabalhar.
Se um aluno está muito confortável muda de nível dentro do mesmo ano, e recebe créditos por isso. A Maria este ano propôs-se avançar uns quantos níveis e a carga de trabalho que tem é digna de discussões várias em tom, "os meus amigos perguntam what have I done with my life?!" Isto porque seguiu os conselhos da mãezinha e inscreveu-se em tudo ou avançado ou college level. Além disso tem Film e Movie Production com um estúdio profissional onde fazem projectos enormes, e uma componente de Performing Arts invejável.
A Mercedes no ano passado, além de se adaptar a tudo em inglês leu 40 livros em 40 semanas, e hoje pede para ir a biblioteca regularmente buscar mais. A mesma que me pediu não gastar dinheiro na feira do livro em Lisboa, porque o sistema espetacular do colégio onde estava, a fez acreditar que era apenas "muito lenta". Se algum aluno está atrás, como estavam os meus filhos durante o processo de adaptação sem dominar a língua e algumas das matérrias, têm reforço de ajuda. A Mercedes houve uma altura que teve 4 professores com ela. A high school da Maria tem 100% de graduação, graças a um investimento monstro em TODAS as crianças.
Pensamos em não vir por causa das "lentidões" da Mercedes que agora está enorme e espero descolada de estigmas redutores. E o que mais nos dá pena deixar é precisamente estas escolas onde estou segura, todos são mesmo mais felizes, alunos e professores. Que privilégio termos conhecido isto.
Não uso guarda-chuva nem casaco durante o dia há quase 2 anos, e o Matias ainda hoje assegurou ao avô que estava um "terrible weather", pela aragem fresca com a velocidade da nossa bike. Já encontrámos coyotes dentro do condomínio, e possums, temos colibris que se alimentam na nossa varanda, e a quantidade de bicharada nova é impressionante.
No dia de São Valentim o Matias quis levar cartões para as professoras, e para a senhora da Cafeteria feitos por ele, o que no caso do Matias com a aversão que tem a estar quieto e sentado a escrevinhar é um verdadeiro feito. Perguntei porque queria levar os 3 cartões extra, ele respondeu porque ser Kind é nice, e estas pessoas são super Kind, e ele queria fazer uma nice thing.
A facilidade com que acontecem elogios na California é maravilhosa. E no Matias isto já está entranhado, o que é uma delícia de assistir. Pergunta, quem fez esta comidinha? Good job mom, it's literally delicious! Só rir.
Acho que os portugueses temos dificuldade sobretudo em aceitar o elogio espontâneo. Ao principio justificava, "bom são realmente educados, pelo menos de porta de casa para fora!" Agora digo, é verdade, eu sou biased, mas também acho, que são educados, responsáveis, trabalhadores, lindos de morrer, e são os que melhor comem de garfo e faca. Continuam a dominar com maestria os talheres e isso é de facto louvável. Benzósdeus cada vez que lhes escapa uma mão directa na comida a mãe rosna, não têm hipótese, mas fora de casa, aparentemente desenvolveram o saber estar, e comportam-se. Comem com as mãos na escola, continuam a comer de garfo e faca e guardanapo no colo em casa.
No início deste semestre houve a conferência nacional de Fisioterapia em Houston, e tive oportunidade de ir com os colegas, e apresentar uma parte do nosso trabalho com alunas daqui. Foi intenso, e super cansativo, mas em bom.
Apesar de continuar a pensar em português e a chegar ao fim do dia um bocadinho cansada, a interromper conversas, agora já sem qualquer tipo de prurido, para perguntar significados de palavras soltas, já consigo sonhar em inglês, rir-me de piadas locais, e entender o sarcasmo cada vez melhor.
Estamos a atingir o número previsto de recolhas de dados, e já estamos a alinhavar como fazemos acontecer à distância os próximos passos de processamento de todos os dados e preparação dos manuscritos. Fico um bocadinho angustiada de pensar em deixar este sistema organizado, meritocrático, e não sei o que vou fazer sem a minha compincha, ou "research buddy" com quem passei estes 2 anos a trabalhar lado a lado. Vem um loose-loose, mas logo a seguir a constatação que esta simbiose improvável e perfeita nas mesmas proporções, aconteceu porque fizemos acontecer. Que sirva de exemplo para todos os improváveis que a troupe possa encontrar.
Entretanto na ausência de almoços em família e jantaradas com vizinhos e amigos semanalmente, fomos encontrando a nossa forma de socializar contornando as agendas complexas de jogos, treinos, ensaios e competições. Descobrimos que as origens Egípcias e Portuguesas devem ter uma raíz comum, já que reunir a volta da mesa é algo natural e que a comida egípcia é uma delícia.
Comida, conversa e convívios tão bons que fazem pensar em somar mais do que em perder...
A Maria escreveu-me noutro dia a dizer, "mamã, acho que hoje é a última competição que tenho do coro, e dói-me a garganta da vontade que tenho de chorar." Eu também Maria... Aproveita e não penses nisso agora, logo lidamos com o resto.
1º lugar com Wicked e uma experiência maravilhosa de superação.

Depois começou a season de natação na primavera, convencemos a Maria que a disciplina e o foco podiam proporcionar a experiência da Swim Team da escola além do que já fazia, e que by the way, treinava para os Junior Guards, que é a colónia cool que temos ao fundo da rua à beira mar, e que implica nadar depressa. Tentou, conseguiu tempos, e entrou tanto na Swim Team da escola, como nos Junior Guards, e apesar dos treinos de madrugada para chegar a todos os lados, a coisa não lhe tem corrido mal. Não é só loose-loose, de facto.
A Mercedes deixou o ballet clássico e voltou-se para o Flag Footbal ou Futebol Americano com bandeirolas e sem contacto físico, e garante que é o seu desporto favorito.
Gosta do coach, gosta da equipa, gosta muito do jogo e apesar de contentes pela possibilidade de experiências novas, também está na recta final da época deste desporto. E quer comprar bandeirolas e bolas ovais para levar para Portugal este desporto que primeiro se estranha e depois se entranha, que também já saltou para os nossos top de desportos favoritos, e que vai estar pela primeira vez com equipa de raparigas nos Jogos Olímpicos 2028 aqui em Los Angeles.
Quando começou a época de Flag Football com a sua equipa de nome curioso Long Horns, era de longe a que corria menos, a que deixava cair todas as bolas ou quase, e a única que não tinha jogado nunca. Numa tarde durante um jogo ouvimos a Mercedes gritar para uma das colegas que falhou um touchdown e ficou desolada: "if you are giving your best that's exactly where you need to be! Go Ivy Go! Good Job!" Todos os pais repararam. Neste momento é capitã de equipa.
O treinador que estou convencida ser família do Ted Lasso explicou-lhe que é a melhor jogadora a incentivar a equipa, e a energia que lhes traz é determinante. Passou-lhe o título, e a Cuca ficou ainda mais enorme, vai a todos os treinos extra, já não deixa cair quase bolas nenhumas e rouba as bandeiras das adversárias com gosto. Continua com a espontaneidade de líder nata.
Além do futebol americano também entrou na equipa de basketball, e acho que ainda não ganharam nem 1 jogo, mas quer instalar uma tabela de basket no nosso jardim na Parede, e o Rodrigo anda a estudar todos os possíveis enquadramentos, para fazer acontecer. É tudo menos perdido.

O Matias adora contar, sabe nomes de carros e dinossauros que eu não faço ideia, e diz que é um génio com bolas. No entanto, tem dificuldade em estar sentadinho e sossegado, esperar pela sua vez para responder ao que for, acabar os trabalhos que são propostos, e escrever letras legíveis para qualquer pessoa que não seja a sua Mrs Barr que o decifra melhor que nós. Ainda assim, foi nomeado para receber um prémio. Ficámos baralhados, mas como achamos que é ninja e joiínha de coração ao mesmo tempo lá fomos meio a medo que o prémio fosse de assiduidade ou assim.
Ganhou afinal o prémio mais bonito, pelo menos em nome: Heart and Soul.
Ele que esteve um mês em silêncio absoluto na escola do ano passado quando chegou, e hoje não deixa ninguém a brincar sozinho, fez questão de integrar um amigo que chegou de novo, e foi o mais rápido a ir buscar gelo à sua lancheira para pôr no galo de outro amigo que se magoou. Nada disto passa despercebido e de facto se há miúdo sensível e atento apesar de completamente destravado é o Matias. Que prémios tão bons para reforçar o win-win.
A primavera é altura em que todas as miúdas cá em casa fazem anos. Celebramos em framily e tivemos surpresas maravilhosas as 3. Festas ao ar livre, tempo espetacular, bom convívio, a nossa rede daqui que não falha nunca, e uma sensação outra vez de não ser completo. O que mais falta nos faz seja lá onde for são mesmo as nossas pessoas. Os avós e os abuelos estão no top de elementos essenciais nas vidas dos netos, e isso não há video-chamadas que nos cheguem.
Fica a promessa de celebrarmos tudo outra vez quando chegarmos à península, com avós, tios, primos e amigos do coração.
Por enquanto além das celebrações de aniversariantes, também fomos somando experiências em companhia. O Luis, a Gerry e o Gabi desafiam-nos sempre para programas que adoramos... Apanhar morangos foi um deles. Pic-nic na quinta, morangos até rebolar, e um dia inteiro a fazer memórias boas.
Programas de crianças, e de adultos, jantares com iguarias desconhecidas, Formula 1 bem acompanhados, pensamos em aproveitar tudo ao máximo antes que acabe, e ainda aqui estamos, mas o coração começa a encolher na perspectiva de nos despedirmos disto tudo...
Sem esperar esta Páscoa tivemos o melhor Egg Hunt de sempre na praia do Ellis (definição do Matias), com direito mais de 1000 ovos que ajudámos a espalhar, caricaturistas, pizza e animais para dar mimo. Não sei se algum dia vamos superar isto, mas parece-me altamente improvável.
No domingo foi, mais uma vez sem esperar, um pic-nic em San Clemente na melhor companhia. Não houve folar, mas houve mesmo uma sensação de só poder estar muito agradecido ao universo por mais esta família em quem tropeçámos por acaso numa tarde em Laguna, e de quem nunca mais nos largámos.
Para aproveitar os dias de férias das crianças, tentámos organizar agendas e fazer a visita aos parques com animais que estavam prometidos como presentes de aniversário da familia toda (obrigada Pepi e Lucía! continuem a apostar tudo em presentes experiências que nós adoramos!)
Rumámos a San Diego e visitámos o Sea World e o San Diego Zoo. Adorámos e regressámos exaustos, mas a parte mais abrumadora foi ver os 3 filhos a interagir com os tratadores em cada um dos parques. A Mercedes e a Maria focadas nas orcas, no seu bem estar, na possível relação com o filme Free Willy, e na constatação que o parque neste momento aposta forte na preservação da natureza. A Cuca quis saber mais detalhes e saiu de lá convencida e toda contente. No zoo, foi a vez do Matias a indagar sobre a velocidade das Chitas, claro, não podia ser sobre um bicho sossegado tipo as Preguiças...
À noite, ainda em jeito de celebração de aniversariantes de Abril ouve bolo de algodão doce. E que loucura que foi este bolo que era gigante e desapareceu em menos de nada.
Voltando ao título deste post, hoje é dia 25 de Abril, e para nós é dia da Liberdade.
Em 1974, Portugal libertou-se de uma ditadura de 48 anos através de uma revolução pacífica, conhecida como a Revolução dos Cravos, onde os militares, apoiados pelo povo, usaram uma música proibida na rádio como sinal para derrubar o regime.
Como portuguesa na Califórnia, mesmo num estado progressista, vivo com apreensão o momento atual. E agora sem o querido Papa Francisco... os valores básicos que consideravamos universais e garantidos estão a ser questionados. Neste momento em que o mundo inteiro parece estar a perder, o 25 de Abril, que completou 50 anos em 2024, lembra-me que o meu país conseguiu uma mudança extraordinária sem violência, apenas com cravos e coragem. O que aconteceu naquele abril é inspirador independentemente das cores políticas de cada um - foi uma vitória da liberdade e da dignidade humana. Talvez a forma romântica e única como Portugal derrubou uma ditadura que violava tantos princípios fundamentais possa servir de inspiração. Se nos mantivermos unidos e protegermos uns aos outros, como fizeram os portugueses naquele abril, podemos transformar este momento sombrio em esperança. A democracia e a igualdade são conquistas frágeis, mas quando as pessoas se unem pela liberdade, até os cravos podem ser mais fortes que as armas.

A minha Tété (a gigante Teresa Cortez), que ilustrou esta revolução de flores também realizou o video da igualmente gigante Márcia, que continua a ser um soundtrack constante nas nossas vidas.
Que orgulho Tété e Márcia.
E a Márcia diz isto:
E de manhã ir à janela, ver a manhã bela
Mesmo naquelas em que está a chover
Dizer ao mundo inteiro que errar é certeiro
Aonde houver amor o mal não pode acontecer
Aonde houver amor o mal não pode acontecer
E essa ser razão para ter vontade, pra ter de ser
E essa ser razão para querer ficar, permanecer
E essa ser razão para viajar e conhecer
E essa ser razão para querer voltar e pertencer
E com esta música a soar, o legado do papa Francisco para Todos Todos Todos, e a esperança da liberdade que conhecíamos penso que afinal nada é perdido, só ganho nesta história toda.
Olho para os meus 3 mais que tudo. Aqueles que chegaram com um inglês medonho do colégio espanhol e agora corrigem a nossa pronúncia e a nossa gramática com um sorriso disfarçado.
Vejo-os a navegarem entre linguas e culturas com uma naturalidade que me espanta, e percebo que lhes demos algo que não tem preço: um mundo maior.
E nós? Descobrimos uma força que não sabíamos ter, sobretudo em dias de dúvidas e de angústias. Construímos uma vida do zero, aprendemos a decifrar sistemas de saúde, impostos, escolas - todo um mundo numa língua que não era a nossa. Hoje, as piadas fazem sentido, as expressões coloquiais saem sem pensar, e já não precisamos de GPS para o dia a dia numa cidade que há pouco tempo era um completo mistério.
Há uma certa emoção em olhar à volta e pensar "conseguimos!". Em ver as amizades que construímos com pessoas tão diferentes de nós, em perceber que o nosso coração cresceu para acomodar mais histórias, mais culturas, mais formas de ver o mundo. Esta aventura tem sido o maior exercício de team building familiar que poderíamos ter imaginado.
A empatia que desenvolvemos pelo "diferente", pelo "estranho", é algo que nem mil livros ou férias prolongadas poderiam ensinar. Apostámos tudo - poupanças, energia, conforto - numa experiência que prometia ser transformadora. E foi.
Afinal, não é uma questão de ganhar aqui e perder ali.
É sobre como o coração se expande para acomodar mais amor, mais vida, mais mundo. Já nada nem ninguém nos tira isso.
Afinal o título agora é que está certo. Não há espaço para perdas, é mesmo tudo só ganho.
Win-Win.