#12 O valor das coisas

Quem conhece o Rodrigo sabe que é difícil encontrar uma pessoa mais optimista e positiva, e que mesmo em situações limite consegue manter o discernimento e a serenidade.

É frequente acordar o Rodrigo para me organizar as ideias. E ele não só não se zanga comigo, como de facto consegue acalmar-me e adormecer assim que lhe agradeço.

Tínhamos decidido apostar forte no Natal e passar com a nossa querida familia em Chicago, aproveitando para visitar mais outra parte da querida família no Canadá, e tourear as saudades de uma época que se quer em casa.

Vendemos continuamente a ideia da casa ser onde estivermos juntos, e os nossos filhos compram esta ideia a maioria das vezes, mas Natal é em família.

A família internacional organizou-se entusiasmada para nos receber aos 7 tanto em Chicago como no Canadá, e compramos as viagens convencidos que apesar de ser uma época caríssima, o valor do Natal em família compensava largamente o investimento.

Uns dias antes de voarmos, depois do jantar o Rodrigo e o meu pai estavam a tratar de ter tudo em ordem (malas e check ins), e começo a ouvir o Rodrigo respirar fundo. Várias vezes seguidas.

Ar pesado:"Encontro a confirmação do pagamento, a reserva, mas não encontro os bilhetes...a reserva diz pendente e não consigo avançar para comprar mais malas nem fazer check in..."Assumo eu o papel da serena convencida que tudo se vai resolver.

Toca a ligar para a United, que repetia que foi anulado o pagamento, e que não conseguiam ajudar. Vão, o Rodrigo e o meu pai para a United no aeroporto, tentar entender e desbloquear a situação.

Ao que parece o cartão virtual levantou algum problema no sistema, devolveram o pagamento dos bilhetes 9 dias depois de os comprarmos, sem qualquer aviso ou notificação nem do banco, nem da United. Nós não nos apercebemos disso, e a solução seria comprar novamente 7 voos, na véspera da véspera do Natal.

Escusado será dizer que o valor dos bilhetes que já não era pechincha, nestas condições triplicava o custo.

Rodrigo desesperado e desolado voltou para casa, e apesar de não ter responsabilidade alguma neste processo, assumiu a responsabilidade de estragar o Natal e as expectativas a toda a gente e não dormiu.

Ao contrário de mim, em vez de me acordar, mandou 327 mensagens ao tio Nuno madrugada fora, que saltou da cama num fuso horário mais à frente em Chicago, e começou a mexer uns cordéis mais poderosos que os senhores no aeroporto.

Quando acordei antes das 6h da manhã, e antes de falarmos com os primos em Chicago comunicou-me: "prefiro ser o xoné que assumo o custo de viagens a preços injustos, do que ser o xoné que não juntou as peças atempadamente e estragou o Natal a toda a gente. Posso comprar os voos? Deixas-me?" Coitadinho do Rodrigo!

Aceitei o pacto, e viemos começar o dia, encolhidos com mais um mega gasto, mas com a perspectiva de Natal outra vez.

Às tantas, depois de muito debater com a senhora da United, e o tio Nuno conseguir confirmar os apelidos todos (qual realeza!) dos meus filhos, descansou-nos a dizer que estava tratado e que já tínhamos a nossa primeira reserva outra vez, disponível e ao preço inicial! Só me ocorre dizer, na próxima que sejam maus para nós ameaço chamar o tio Nuno e vão ver! Quando os meus pais acordaram e lhes contamos que estava resolvido, nem queriam acreditar!

Ainda me ri umas horas mais tarde com a Cacau, que me contava o Nuno ter saltado bem cedinho da cama a dizer, "tenho de ir que o voo deles está a dar m€&#@",e ao pequeno-almoço já estava tudo sob controle outra vez. Caso para dizer, grande boss!

Custou-nos mais uns cabelos brancos e talvez a primeira insónia do Rodrigo, mas conseguimos dar a volta e embarcar atempadamente para Chicago.

Tenho a sensação clara que este Universo nos tem tratado mesmo muito bem.

Apesar de todas as aflições, tudo se vai resolvendo, felizmente.

Para 2024, pedimos sff que assim continue. Se não houver necessidade de mais cabelos brancos, está tudo óptimo também! just saying!...

Chegámos a Chicago já na madrugada da Véspera de Natal, e depois de emoções e abraços demorados, a casa além de quentinha e com pessoas favoritas lá dentro, cheirava a Bolo Rei. Obviamente emocionei-me.

Fomos todos descansar e o que se viveu nas horas seguintes foi pura delícia.

Filhoses e afins em preparação, conversas a pôr em dia todos ao mesmo tempo, azáfama de últimos embrulhos, e correria do costume para termos um ar janota, e tudo rumo a Kenocha para nos juntarmos a várias famílias portuguesas.

Receberam-nos tão bem, que nos sentimos em casa. Numa casa incrivel devo dizer!

E jantámos na biblioteca mais bonita e bem decorada (grande Cacau!) que conheci até hoje.

Conversa fácil (e em português!) pessoas interessantes e simpáticas nas mesmas proporções, degustação de bacalhaus e outras iguarias, e as sobremesas todas que devem constar, numa casa portuguesa, com certeza!

Além da troca de presentes para as crianças houve também Karaoke... do melhor!

Voltámos para casa e dormimos rendidos, e no dia de Natal foi como me lembro há anos.

Sem relógio, primos ao molho (que saudades dos que não pudemos apertar), passeios para acomodar mais um doce, conversa boa, filmes, e planos futuros.

Devia ser sempre assim, mas com todos, manos, avós, tios e primos. E se desse para apertar amigos então é que era!

O Matias recebeu uma gravata com cães, e além de a ter posto sem protestos, nos dias depois do Natal, mesmo por cima do pijama punha a gravata antes até de ir a WC.

Recebeu uma série de presentes acertados. Este foi claramente um deles.

No dia seguinte rumámos a Chicago Down Town. O charme do Natal, com o fresco (puxa, que fresco!) da cidade e a excursão em bando, fizeram-me gostar ainda mais de Chicago do que da última vez que aqui estive.

Vale mesmo a pena visitar.

E como entretanto não houve tempestades de neve rumámos a London, no Canadá para nos juntarmos à Monica. Nesta casa, além das emoções e abraços apertados havia também cheiro a Arroz-doce. Sempre tive pancadas com cheiros. E aqui também cheirou a casa.

Convívio bom, sopa que entrou para o top 3 das sopa da família Mota Barona, o Matias a duvidar que lingua escolher com o Augusto, e depois de algumas tentativas vimo-lo confortável no sofá a alternar o inglês naturalmente com o primo, espanhol com o pai, e português com os restantes. Todas as pronúncias irrepreensíveis. E apesar de estarmos cientes disso pelos comentários na escola, viver de perto esta troca de idiomas aparentemente sem esforço não deixa de ser abrumador.

No dia que chegámos pude conhecer onde acontece magia operada pela Monica no seu atelier. Fez-me lembrar os tempos em que fui feliz a acompanhar pessoas favoritas na Faculdade de Belas Artes em Lisboa, e fiquei impressionada com a creatividade da minha prima.

As fotografias não fazem justiça às transparências e ao movimento que consegue montar em cada obra. Que orgulho...

Depois do descanso, em bando outra vez pudemos conhecer London, Port Stanley, e terminamos a fazer uma excursão de luzes pelo bosque... mágico!

No dia seguinte rumámos às Niagara Falls. A quantidade de água em movimento, o som e a paisagem em geral são incríveis. Apesar das expectativas altas, ficámos impressionados.

Percebemos que ali perto existia um borboletário, e o Matias que ouviu a explicação da guia não se calava. Ainda bem...

Entrámos para uma estufa gigante onde vivem milhares de borboletas (são protegidas e muito importantes para o ecossistema) e tivemos o privilégio que viessem pousar em cima de nós. A Maria foi a primeira e ficamos tão acelerados que desatámos todos aos gritos para que pedisse um desejo! E a Maria responde, Ai! Não estava a espera disto! Tenho alguns e não sei qual devo escolher agora! Um stress!

Despedimo-nos dos primos do Canadá de coração cheio e um bocadinho apertado. Adorámos ter podido vir. E já temos saudades.

Rumámos de novo a Chicago para preparar os últimos dias do ano. E ao contrário de todas as previsões, nevou! Como somos novos nisto de temperaturas extremas, foi para nós o nevão do ano! Acontece que os praticamente locais nem se agasalharam demais!

Uma paisagem à filme e o cão mais fofo e simpático (sem contar com a Mel, claro), Tucker sem perceber exactamente o porquê de tamanha excitação.

Conseguimos espreitar a casa do Home Alone, ficámos fãs de Lake Forest e arredores...

...e voltámos a down town, que ainda tinham ficado alguns checks por fazer...

Cada vez gostamos mais de Chicago, e apesar do frio cortante que por aqui se sente, ficamos rendidos a esta cidade.

Fim do ano a fazer balanços, a falar com os 4 cantos do mundo, literalmente, a desejar saúde e paz em loop, a agradecer, e a tentar não ficar com uvas atravessadas a cada desejo. Adotei a tradição espanhola, mas é muito desafiante processar 12 uvas sumarentas em 12 badaladas.

Espirito e animação em altas. Espero que se prolongue a energia pelo 2024 fora.

Os primeiros dias do ano não podiam ter sido melhores.

Pude inclusivamente tirar uns apontamentos sobre como lidar com maestria com meninas/mulheres/teenagers/universitárias e respectivos amigos. A minha Cacau é pró a gerir tudo e mais alguma coisa, mas confesso que o que gostava mesmo quando for grande, é de ter com as minhas, a relação que ela conseguiu construir com as filhas.

Que grande sorte a nossa.

A única parte que custa são as despedidas... Mas se custam só pode ser por bons motivos.

E voámos de regresso a Seal Beach com pelo menos uma certeza absoluta.

As melhores primas são as minhas. E o valor das coisas...

Reis Magos em trânsito, a Mel regressou a casa depois de passar as festas com uma das minhas queridas alunas, a avó São presenteou-nos com o Bolo Rei, seguimos os videos enviados pelos abuelos, e com tudo a postos assistimos à Cavalgata em diferido.

Reis Magos não desiludem e a única parte que custa é estar longe do sitio onde a magia de facto acontece. E nesta época do ano todos começam a acusar as saudades. Os abuelos são os grandes vencedores de saudades em geral e do Matias em particular.

Em jeito de distracção local, depois da chegada dos reis, reservei de surpresa bilhetes para irmos apoiar a equipa de basketball da minha faculdade.

Expliquei aos meus filhos que os jogadores não eram exactamente meus alunos, mas que estudavam na minha escola.

Já assisti a um jogo da NBA há muitos anos. O show é muito semelhante, apenas falham mais um bocadinho o que até é divertido e acelera o coração.

E os 3 integraram imediatamente o papel de super fãs e apoiantes para tentar distrair os adversários que se aproximavam perigosamente do empate. E aplaudir esfusiantes cada cesto. No fim, por pouco "os meus alunos" CSULB ganharam a University Riverside, e o Matias perguntava "ganharam os nossos mamã?" Hilariante.

Antes do início do segundo semestre ainda conseguimos esgotar os últimos dias de férias pela costa da California até San Diego e prometemos voltar em breve.

E estes dois meses de convívio com os avós, em que de certeza, todos escolhemos algumas vezes a paz em vez da razão, passaram num instante e foram maravilhosos.

O que foi difícil foi assistir a despedidas de avós e netos, todos num mood parecido de desconcerto.

Caramba, que preço tramado para uma aventura maravilhosa como a que está a ser.

Mas à semelhança da decisão do Rodrigo na noite de insónia:

"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis."

Um abraço a todos carregadinho de saudades.